(artigo feito originalmente em novembro de 2016 para a disciplina de Jornalismo Esportivo/FAMECOS/PUCRS)
APRESENTAÇÃO
Desde as primeiras edições da Olimpíada antiga, as mulheres
sofrem com estereótipos e com preconceitos de fragilidade e de beleza, que ainda são perpetuados pela mídia. Embora os Jogos
Olímpicos da Antiguidade tenham surgido em 776 a.C, somente em 1900 as
representantes femininas participaram pela primeira vez. Na ocasião, foi possível
competir em apenas dois esportes – o tênis e o golfe, por serem
considerados “bonitos” e não precisarem de contato físico. Consideradas atletas
extraoficiais, essas mulheres só recebiam um certificado de participação dos
Jogos e não ganhavam coroas de oliveira como prêmio.
Inicialmente, as modalidades eram disputadas pelos
atletas das cidades-estado da Grécia para honrar os deuses, de quatro em quatro
anos. Entretanto, as mulheres não podiam participar nem assistir a esse
evento, pois, de acordo com os homens, não tinham aptidão para a região montanhosa em que as provas
eram realizadas. Se uma pessoa do sexo feminino fosse
vista prestigiando alguma partida, poderia ser condenada à morte, pois isso
era proibido, segundo o regulamento dos Jogos.
No entanto, a participação de sacerdotisas era permitida, porque
elas faziam o papel de “mensageiras dos deuses” e traziam sorte para
os competidores. Essas mulheres eram as grandes responsáveis pela entrega das
coroas de oliveira para os vencedores e, hoje, quem exerce essa função são atrizes, que acendem a chama olímpica
em homenagem à Hera e ao seu Templo, na cidade de Olímpia – local que o evento era realizado na Antiguidade.
Nos
primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, que foram organizados em 1896 por
Pierre de Frédy, mais conhecido pelo seu título
de Barão de Coubertin, as mulheres obtiveram permissão para assistir aos
jogos. O fundador da Olimpíada moderna até reconhecia que elas deveriam ter uma
educação esportiva e incentivava a competição entre elas, mas, para ele, esse
evento era destinado aos homens por motivos culturais, antropológicos e,
principalmente, físicos.
O
sexo feminino já foi considerado frágil. Antes, era voltado para as atividades
domésticas e era impensável que houvesse uma adesão feminina nos esportes. Entretanto, essas características não definem mais a mulher
moderna em geral. A realidade mudou.
Há quatro anos, na edição olímpica de Londres, em 2012, o gênero feminino
representou 44,2% dos esportistas e, pela primeira vez, pode competir
em todas as modalidades do programa. Em comparação com a primeira participação
extraoficial das mulheres nos Jogos, em 1900, na capital francesa, elas foram
apenas 2,2%, ou seja, apenas 22 mulheres. No mesmo ano dos Jogos que ocorreram na capital londrina, a delegação dos Estados Unidos teve mais atletas do sexo feminino do que masculino. Foram 268 mulheres contra 261 homens – o que mostra um verdadeiro começo
para a quebra total de paradigmas da sociedade.
Já neste ano, na Rio 2016, o número bateu recorde de
mulheres participantes, segundo dados do Comitê Olímpico Internacional (COI). A
competição reuniu mais de dez mil atletas, sendo que quase cinco mil são do
sexo feminino, equivalente a 45% dos esportistas. Embora a quantidade de homens
e mulheres seja quase igual, os desafios são diferentes. Enquanto elas lutam
para desmistificar padrões socialmente aceitos de “corpo ideal” e de que não
podem praticar esportes, os homens enfrentam o medo de ver o sexo oposto se
igualar ou ser melhor. Nisso, a mídia tem grande culpa: propaga sexismo e
machismo em suas reportagens e notícias.
Por se tratar de um problema na sociedade, recorrente da Antiguidade,
é importante abordar o tema e investigar como a mídia recebe-o. Deve-se
questionar também a característica que a imprensa clama ter: a imparcialidade – será visto se ela é mesmo tão neutra quanto gostaria e diz ser. Para isso, foram escolhidas manchetes e
partes de notícias em que o sexismo está explícito, embora pouco perceptível
para muitos leitores, em geral homens, que praticam esses preconceitos diariamente.
DESENVOLVIMENTO
Neste
ano, aconteceu a 31ª edição dos Jogos Olímpicos, que foi disputada por mais de
200 países e contou com 42 modalidades diferentes. A competição, que aconteceu
no Rio de Janeiro (RJ), reuniu mais de dez mil atletas, sendo quase cinco mil
do sexo feminino. Comparando os dados das últimas duas Olimpíadas, é possível
afirmar que o crescimento gradativo da participação feminina é um grande avanço
em uma história marcada por machismo e um importante passo para o futuro.
Embora esses números tenham aumentado e quase igualado ao total de homens participantes em uma Olimpíada, a quantidade
de tempo em que elas são assunto na mídia ainda é inferior ao sexo masculino. Além
disso, as abordagens da imprensa costumam resvalar em estereótipos de
fragilidade e de beleza das mulheres.
Ambos serão analisados a seguir, começando pela duração da aparição feminina na
mídia.
Em
levantamento da plataforma independente de
jornalismo de dados Gênero e Número, feito semanas antes da
Rio 2016, foi constatado que as atletas ocuparam menos espaço na televisão do
que os colegas homens. Foram analisadas duas transmissões de dois programas
diferentes, sendo um deles transmitido em canal fechado (Sportscenter – ESPN) e
o outro, em canal aberto (Esporte Espetacular – Rede Globo). No primeiro, as
mulheres apareceram por apenas uma hora de 17 horas e meia analisadas entre os
dias 6 e 20 de julho, enquanto no segundo, foram pauta por quase duas de um
total de seis horas estudadas nos dias 3, 7 e 10 de julho.
Em relação à exposição midiática e ao sexismo
imposto, um estudo realizado pela Universidade de Cambrigde, na Inglaterra,
analisou cerca de 160 milhões de palavras, em inglês, retiradas de artigos
jornalísticos e posts em redes sociais publicados antes dos Jogos 2016, que
falavam sobre os atletas e os esportes olímpicos da edição. O objetivo era
verificar se havia discrepâncias linguísticas na maneira como os esportistas do
gênero feminino e do masculino eram tratados por diferentes veículos de
comunicação.
O resultado demonstrou que as mulheres
recebem um tratamento bastante sexista por parte da mídia e provou que o viés machista
é comum em qualquer país do mundo, seja ele europeu ou americano. Essa
problemática que acontece no Brasil influencia diretamente os leitores na
maneira de pensar. Para exemplificar isso no artigo, foram estudadas notícias que
fazem parte da cobertura olímpica. Porém, é importante ressaltar que os
episódios não são isolados e podem acontecer a qualquer momento.
Na notícia abaixo, veiculada no jornal Zero
Hora, uma tendência estudada pela Universidade
é revelada. A linguagem utilizada
para se referir a mulheres em textos sobre esportes é mais infantilizada e
tradicional do que aquela usada com os homens. Observa-se o uso do diminutivo
para o nome da jovem, de forma mais “íntima”. Além disso, é comum dizer a idade
da atleta, a altura e o peso – ao contrário do que acontece com os homens, que são
enaltecidos pelas suas força e rapidez.
Outro caso que repercutiu bastante na mídia e nas redes sociais foi o desentendimento entre as atletas e parceiras de saltos ornamentais dos Jogos Rio 2016, Ingrid Oliveira e Giovanna Pedroso. A dupla brasileira que ficou em oitavo e último lugar na plataforma de 10m teria se desentendido por Ingrid supostamente levar um rapaz para o quarto que dividiam na Vila Olímpica e pedir para Giovanna deixá-los a sós.
A abordagem feita pelos jornais chamou atenção. Um fato tão cotidiano recebeu mais visibilidade do que vários esportes paralímpicos, por exemplo. Vale destacar a manchete e o lide do jornal O Globo, na plataforma on-line, da matéria publicada no dia 11 de agosto de 2016 e as aspas na matéria da Zero Hora. Ao invés de falar sobre o péssimo desempenho das esportistas e como foi o preparo para a competição, os periódicos destacaram o “romance”, como se fosse algo inédito e proibido durante os Jogos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vários
sites como O Globo e a Zero Hora trataram a noite de Ingrid Oliveira como se
fosse uma polêmica. A atleta foi julgada por fazer sexo. Se fosse proibido se
relacionar com alguém na Vila Olímpica, o Ministério da Saúde não teria
distribuído preservativos gratuitos para os esportistas, que nesta edição, chegou
a 450 mil camisinhas – número três vezes maior do que a quantidade da Olimpíada
de Londres, em 2012.
Analisando
essas matérias, que estão disponíveis nas imagens e nos links, foi possível
perceber opiniões tendenciosas, repletas de sexismo, logo nas manchetes e
encontrar fotografias que exaltam o corpo das mulheres ao invés do esporte que
elas praticam. As notícias avaliadas destacam uma das piores características
da imprensa brasileira: o sexismo. O jornalismo, assim como a sociedade em
geral, ainda perpetua um machismo histórico, de décadas e séculos atrás,
enquanto as mulheres tentam se inserir cada vez mais no mercado esportivo.
As
atletas, que deveriam ser valorizadas pela prática saudável de um esporte e não
por um rosto bonito ou por um corpo escultural, sem nenhuma gordurinha, são subestimadas,
relativizadas e sexualizadas. As conquistas femininas são muito importantes para
buscar igualdade de gênero na sociedade, mas continuam sendo deixadas de lado
por “musas” – e a mídia contribui bastante com isso, voluntária ou involuntariamente.
REFERÊNCIAS
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